quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um baobá de sabedoria

Quem resiste até o fim do filme, quando está achando a história um saco, sem graça e que não vale sequer um segundo a mais do seu tempo? Eu, eu, eu fico. Sempre acho que pode virar. Que pode acontecer a grande sacação da obra, aos 45 minutos do segundo tempo. Foi assim comigo, ontem, no auditório do Crea-PE, onde recebi um prêmio de fotografia. A bem da verdade, uma menção honrosa pela foto acima. Assisti sentadinha a todo o protocolo da história. Quase três horas de cerimônia entre engenheiros e hinos. Homenagem ia, homenagem voltada. Eram réplicas e tréplicas de reconhecimentos. Já no finalzinho, sobe ao púlpito o "seu" Osvaldo Martins Furtado, engenheiro agrônomo. Só pelas 90 primaveras que ele tem já merece o respeito de muitos de nós. Me curvei à sua experiência (e esqueci o enfado do evento), quando ele começou a falar. Desde os anos 30 (o Greenpeace ainda engatinhava), ele se fez um dos mais importantes ambientalistas e pesquisadores do meio ambiente no Brasil. Sabe tudo sobre arborização urbana (uma lástima no Recife). "Seu" Osvaldo é um baobá de sabedoria. Moral da história: eu, um pé de mato ordinário e metido, terminei a sessão encantada. Valeu a pena demais o mico de sentar na frente e não saber cantar o hino de Pernambuco todinho.

Ps: guardei "seu" Osvaldo no meu caderninho de personagens. Já, já coloco outro texto sobre ele neste blog.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Desafio verde


Encontrei essa cena quando visitei nesta semana a Escolinha de Futebol do Nel, no bairro de Várzea Fria, em São Lourenço da Mata. A iniciativa treina 120 meninos voluntariamente. Fora do campo, um cidadão desafiou outro a plantar uma árvore. A princípio dois desafetos, eles se uniram nesse propósito verde. Quem ganhou foi a comunidade. Quando crescerem, as espécies vão, no mínimo, colocar sombra no campinho de futebol do município escolhido para ser subsede da Copa do Mundo de 2014. Esse sim um desafio danado, que precisa dar bons frutos à cidade, certo?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Jogo de damas

No labirinto da galeria comercial do também labiríntico edifício Holiday, em Boa Viagem, encontrei essa dupla jogando dama. Olhando assim, o tabuleiro parecia calmo. Parecia que tinha concentração. Mas o cabra da direita, de camisa azul mais escuro, era um chato. De tanto apurrinhar o adversário, virou o jogo. Ganhou a partida de três com uma provocação repetida exaustivamente: "esse aí, madame, é igual a cavalo de bandido. Corre, corre, corre pra morrer no final". Falava tanto que dava com as línguas entre os dentes. Mas na vida é mais ou menos assim, né? Tem gente que ganha no grito. "A madame tem cara que sabe jogar". Até sei, mas não desse jeito, camarada.

Polícia vira-lata

Fui a Caruaru ver como estava o pessoal que perdeu a moradia na enchente do início do mês. Poça vai, poça vem, encontrei o catador de lixo João da Conceição para conversar. Ele e cinco famílias estavam abrigados numa escola municipal.
- Moça, tem umas nove crianças aqui, mais uns 23 adultos e uns cachorros, que já eram da gente ou então se juntaram no meio do caminho.
- (olhei em volta da quadra da escola e vi, por baixo, uns seis vira-latas).
- A senhora sabe que cachorro é polícia de pobre, né?
A foto é de Alcione Ferreira, que me acompanhou em Caruaru.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Os cães ladram e a caravana passa

Conheci o Maestro Givanildo na Bomba do Hemetério. Eu procurava olhar o carnaval do que chamamos de "periferia". Pois bem, desse terreno fertilíssimo, criativo e inquieto da zona norte do Recife, ele sacou uma ideia, no mínimo, louvável. Criou a Caravana de Luz Cultural. A iniciativa tem, segundo ele, a "missão de distribuir saberes e trocar conhecimento nas mais diversas linguagens". Viajam pelos municípios do interior de Pernambuco atores, dançarinos, pintores, cantores, filósofos, pesquisadores, poetas, maestros, professores e estudiosos. O negócio é doar o que cada um tem. Quem de nós faz isso? Na caravana, todo mundo vai de graça, pelo simples exercício da solidariedade e pela tranquilidade responsabilidade social. Coisa de gente corajosa e desapegada mesmo, viu? De cada prefeitura visitada, os caravaneiros recebem apenas a guarida e o transporte. É só chamar. Que tal oferecer o seu saber? Para isso e mais informações, deixo aqui o email do Maestro Gil (givanildo.amancio@gmail.com) e o site da iniciativa (www.caravanadeluzcultura.blogspot.com).
As próximas paradas da caravana são: Capoeiras (de 22 a 24 de maio) e Caetés (de 5 a 7 de junho).

Ps: deixo aqui o testemunho do pessoal da cidade de Tabira. 
http://www.prefeituratabira.com.br/index.php?exibir=noticias&ID=16

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Introdução

O texto publicado logo abaixo, a que dei o título de Relato da dor, não é meu. É de Adriana Ataíde. Não a conheço (ao menos, não pelo nome). Ela enviou um email, contando o que passou em 2007. Quase morreu. Tentou fugir de um assalto ("uma reação instintiva de sobrevivência", como ela conta) e foi ferida na cabeça. Aconteceu bem perto do local onde, ontem (13 de maio), morreu o professor de inglês Igor Duque, de 28 anos. Talvez ela tenha lido, junto com a notícia do homicídio, o meu endereço eletrônico no jornal. Mas não é isso que importa. O texto de Adriana é forte e pede reflexão à gente.

Ps: Adriana, obrigada pela confiança. Desejo que reencontre a paz.

Relato da dor

Date: Thu, 14 May 2009 16:16:03 +0000
From: Adriana Ataide
To: anabraga.pe@diariosassociados.com.br
Subject: Desabafo de mais uma vítima!

Ana Braga,
Faço um desabafo como cidadã e vítima da violência de Recife.Em 28 de Novembro de 2007, às 16:00hs na av Norte, enfrente ao SESC (sentido bairro/centro) sofri uma tentativa de assalto da qual levei um tiro na cabeça!
Parei no sinal, tinha um carro na minha frente, e ví quando dois indivíduos corriam na minha direção, um deles passou e o outro veio para a frente do carro quando levantou a blusa e eu ví o cano do revólver. Numa atitude instintiva arraquei com o carro, bati no carro da frente e ainda consegui (baleada) dirigir até minha casa, que era na mesma rua onde morava o professor Igor Duque. O carro da frente me seguiu sem entender o ocorrido e com a ajuda de uma visinha minha me socorreram. Me levaram para o Agamenon Magalhães para os primeiros socorros e fui transferida para o Hospital da Unimed, onde recebi o atendimento devido.
Atuamente faço tratamento psicológico no Agamenon Magalhães (Wilma Lessa), acompanhamento neurológico e psiquiátrico. Temo todos os dias pelos meus parentes e amigos. É como se tivessem me levado a liberdade.
Hoje mais uma família foi dilascerada pela violência de Recife. Só quem passa sabe a dor!Mais uma tentativa de assalto, mais uma vítima, mais uma reação instintiva de sobrevivência, pois eu arraquei com o carro não foi por medo de que levassem os meus pertences, mas por medo de que levassem a minha vida, o que acredito que tenha acontecido com o professor quando acelerou o carro.
Somos obrigados a ver uma propaganda na TV, meramente política, dizendo que a violência diminuiu. Diminuiu onde? Na esquina das casas dos políticos que tem policiamento? Só se for, por que vemos todos os dias mais pessoas sendo vítimas e com sequelas gravíssimas, como o caso de um conhecido meu que levou um tiro no ouvido e hoje encontra-se em estado vegetativo, a policial que levou um tiro na cabeça em Abril do ano passado e está no mesmo estado.. e muitos outros casos que não tomamos conhecimento e famílias estraçalhadas pela dor!
Quando isso vai parar? Quando vão ver que a cidade anda refém da criminalidade? Somos livres, porém não temos liberdade, pois saímos e não sabemos se voltaremos para as nossas famílias.
Choro de dor por ter passado, e por ver mais uma família chorando, choro de revolta e de inconformidade.E peço sempre a Deus proteção, e peço também conforto para as famílias que estão passando por essa dor!Deixamos de ser casos isolados!Precisamos fazer alguma coisa!

Adriana

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A vida no detalhe

Tenho algumas manias. Uma é de ouvir rádio no carro. CBN, na maioria das vezes, porque tem uma e outra informação que acho legal. Outra, de pensar que não existem vidas comuns e cada uma escondre um milagre (isso está no cabeçalho do blog). Pois bem, juntando as duas manias, encontrei uma história emocionamente, que começa no Sertão de Pernambuco. Ouvi uma entrevista sobre uma fundação chamada Make a Wish e pensei que ali tinha coisa. Bingo! Foi publicada no Diario de Pernambuco, no domingo dia 19 de abril, e está reproduzida aí embaixo. Agradeço à família de Ana Flávia Nunes a chance de conhecê-la.

A força do desejo

Todo mundo sente desejo. Às vezes, de uma coisa só. Às vezes, de várias. A pernambucana Ana Flávia Nunes, de 12 anos, tem dois. Um é voltar curada ao município natal, Salgueiro, no Sertão do estado, de onde saiu há exatamente um ano, para se submeter ao tratamento de um tumor raro no cérebro, na cidade de São Paulo. O outro, conhecer um parque de diversões. O primeiro, acredita a menina, está nas mãos de Deus, dos médicos, da família e dela mesma. Mas não há data para acontecer e Aninha sabe disso. Ela tem determinação e consciência de gente grande. O segundo desejo será realidade breve, breve. A fundação internacional Make a Wish (Faça um Desejo, em inglês) recebeu o pedido da pernambucana e vai realizá-lo assim que ela se recupere das sessões de radioterapia, previstas para terminar no próximo mês.

Foi numa consulta ao oftalmologista, em Juazeiro, na Bahia, que a dura rotina médica de Ana Flávia e família começou. "Minha filha tinha dificuldade na visão. Também tinha uma moleza muito grande. Onde escorava dormia. Também fazia muito xixi porque tinha muita sede e aí bebia muita água. De noite, ela chegava a beber quase três litros de água. E era bebendo e saindo", lembra Ducijane Nunes, de 32 anos, mãe de Ana Flávia. Orientada por uma amiga, Ducijane fez essa primeira viagem, de quase seis horas de carro, já que ainda não tinha conseguido um diagnóstico em Salgueiro. Em Juazeiro, o oftalmologista deu a primeira estocada. "Ele fez todo tipo de exame em Ana Flávia e disse que ela não tinha grau, mas passou exames. Dois dias depois, com a tomografia e ressonância nas mãos, ele falou 'corra, corra, corra, porque essa menina tem um coisa mais séria. Ela tem um tumor na cabeça'", conta. Ana Flávia, à época com 11 anos, ouviu tudo. Era 19 de março de 2008.

Do consultório, Ducijane foi à praça de Juazeiro no mesmo dia. Queria encontrar motivos para acreditar no médico. "Eu fiquei lá perguntando a quem passasse se conhecia o médico. Porque o que era um tumor para mim? Era ter o tumor e morrer. Eu parei umas 15 pessoas na praça e todas só falaram bem do médico", lembra Ducijane. "O médico perguntou aonde eu ia. Eu disse vou embora. Pra onde, ele perguntou. Eu disse Recife, São Paulo, Estados Unidos. Não sei. Então Ana Flávia, que ouvia tudo, falou 'apois eu sei aonde eu quero ir: São Paulo'", relata. Foi voltar à casa em Salgueiro e deixá-la imediatamente. Ana Flávia escolheu São Paulo porque tem parte da família morando na capital paulista. No dia 3 de abril de 2008, mãe e filha desembarcaram em São Paulo para morar na casa de uma tia. Era mais uma viagem ao desconhecido.

Levaram, segundo a mãe, tudo que tinham - a economia feita pelo pai da menina, Manoel Marcondes, caminhoneiro de profissão. As datas, endereços, exames, laudos, lágrimas e boas notícias estão todos na memória de Ducijane. Já no dia em que chegaram, foram a uma das duas consultas com neurocirurgiões, providenciadas pela prima Meire, chamada também de "anjo da guarda". Desse especialista ouviram que a filha tinha um tumor no cérebro e precisaria de uma cirurgia que custaria entre R$ 70 mil e R$ 100 mil. Fora a UTI e a medicação. "Ele falou de um tumor chamado glioma. Quando saí do hospital, vi criancinhas no centro de oncologia e comecei a chorar. Ana Flávia me mostrou o saquinho do exame e disse 'olha aqui a resposta que Deus me deu'", relembra. Estava escrito no envelope: "todo mundo tem uma vida. E toda vida tem uma missão". A missão de Ducijane e Ana Flávia era seguir.

Outro médico falou da mesma cirurgia. Mas ainda não havia o veredicto. A família procurou uma terceira opinião. "Ana Flávia foi consultada no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), em 18 de abril de 2008. A gente já tinha as imagens e faltava a biópsia. Com esse exame feito, a médica do GRAACC afirmou que não era caso de cirurgia e que Ana Flávia tinha um tumor chamado germinoma e não glioma, igualmente agressivo", recorda Ducijane. Poucos dias depois, em 6 de maio, começava o primeiro dos quatro ciclos da quimioterapia. E deagosto a setembro, foram mais 25 sessões de radioterapia. Em dezembro do ano passado, um exame de acompanhamento trouxe outra má notícia: o tumor saiu do cérebro e apareceu na coluna. "A gente estava programada para passar as férias em Salgueiro. Ela ia de avião com Meire e eu de carreta com o meu marido e minha filha Maria Eduarda", relembra.

Veio mais um ciclo de quimioterapia em 18 de dezembro. "Ela estava muito fraquinha. Teve várias convulsões e ficou em coma na UTI. Saiu exatamente em 31 de dezembro. Passamos o revéillon só nós duas. Foi o momento mais difícil", conta Ducijane. Novos exames, segundo a mãe, dão conta que Ana Flávia não tem mais o tumor. "Em janeiro deste ano, a imagem deu toda limpa", fala. Desde o dia 6 deste mês, Ana Flávia cumpre mais uma parte do tratamento. Mais 20 sessões de radioterapia. Não ter mais o tumor não significa que a vida da menina está fora de risco. "As janelinhas ficam abertas por mais cinco anos", enfrenta.

Durante as conversas com a reportagem, o nome câncer foi pronunciado somente uma vez por Ducijane. A teimosia da mãe com a palavra só não é maior do que a força de Ana Flávia no combate à doença. "O que eu posso dizer às pessoas é que elas nunca conheçam o câncer como uma doença sem cura. Que enfrentem ela primeiro. Esse é o meu desejo desde o primeiro dia", persevera Ana Flávia.

Tumor raro, mas com chance de cura

O tumor germinoma, diagnosticado na pernambucana Ana Flávia, é considerado raro pela medicina. Mas, tem índice de cura de 90% dos casos. Quando chegou ao Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), em São Paulo, a menina já sabia que o tratamento desse tipo de tumor passa necessariamente por quimioterapia e radioterapia. "A Aninha é muito consciente, muito linda e querida. Ela pergunta as coisas, participa de tudo e a família é muito envolvente", declara a oncopediatra Nasjla Saba, responsável pelo serviço de neuroncologia do GRAACC.

Quando saiu de Pernambuco para São Paulo, Ana Flávia já tinha o tumor. Segundo a oncopediatra, a menina estaria com o germinona há cinco anos. "A mãe me dizia que ela tinha o problema de fazer muito xixi há mais ou menos esse tempo. E isso era porque ela já apresentava um quadro de diabetes insipidus, porque o tumor atingiu justamente o centro hormonal do cérebro. E o problema visual foi porque o tumor também afetou o centro da visão", explica Nasjla Saba. "O germinoma não aparece com frequência. Corresponde a 2% dos tumores do sistema nervoso central que acometem as crianças. Principalmente as que estão em idade perto dos 12 anos. Mas, tem índice de cura de 80%, 90%", afirma. O germinoma é um tumor de células germinativas. Células que deveriam ir para os ovários ou textículos durante a formação do feto, mas que migram para outros lugares.

Os sinais e sintomas do germinoma são, segundo a especialista, dor de cabeça, vômito, hipertensão, perda visual e neuroendocrinopatias, como diabetes insipidus e hipotiroidismo, que atrasam o crescimento e alteram a puberdade. "A família deve prestar atenção e investigar. Nunca deve achar que é normal, principalmente se os sinais são persistentes. O pediatra é o primeiro especialista a ser consultado", alerta a oncopediatra.

Brincar no playcenter

O desejo de Ana Flávia de conhecer um parque de diversões foi feito num pedaço de papel e anotado pela enfermeira do GRAACC, em São Paulo, onde a menina faz o tratamento contra o câncer. Ela será a primeira pernambucana atendida pela Fundação Make a Wish, que existe desde 2003 em 31 países e chegou ao Brasil em outubro do ano passado. "Não tem lista de espera. Todo desejo que entra a gente põe na rua. O da Ana Flávia será realizado assim que os médicos e os pais liberarem", confia a diretora executiva da Make a Wish no Brasil, Lêda Tannus.

"Realizamos desejos de crianças e jovens de três a 18 anos de idade que tenham enfermidades que colocam em risco as suas vidas", observa Lêda. A lista de desejos na Make a Wish é variada. "Ana Flávia quer conhecer o playcenter. Mas já realizamos desejos de conhecer o mar, conhecer jogador de futebol e de ser super-herói. Cada um deles é especial. A gente sabe de casos em que os exames normalizaram e os pacientes recuperaram movimentos", declara.

Apesar de ter a filial em São Paulo, a fundação recebe pedidos de outros estados e até outros países. "Damos assistência a desejos que chegam de fora e também tentamos realizar à distância. Podemos ir a Pernambuco. Basta ter parceiros", afirma Lêda. Parceiros que são desde de voluntários para a equipe de realizadores de desejos até doadores, tanto de mão-de-obra, quanto de dinheiro. A fundação tem o site na internet www.makeawish.org.br. O telefone é (11) 5081-3601.

terça-feira, 24 de março de 2009

O meu vizinho espigão


Meu novo vizinho é um espigão. Aliás, um não. Dois. Estão mudando a paisagem da vizinhança aceleradamente. As fotos acima eu fiz da minha janela. O intervalo entre uma e outra foi 40 dias. O suficiente para tirar o resto da vista do mar, que eu ganhava de presente diariamente, quando entrava pela porta da frente da minha casa. Eu até conseguia ver quando a maré estava cheia e seca. Agora, um antes e depois duro de aceitar. Pensei em registrar o passo a passo da construção, mas desisti de me torturar. E antes que alguém pergunte onde moro, se também não sou uma vizinha indesejável, digo que vivo no 3º andar de um prédio com quatro pavimentos. As próximas fotos do meu vizinho da frente registrariam 21 andares. 

A sabedoria do ovo. Ou do povo.

Eu era criança pequena de Setúbal quando vi cascas de ovos em cima de cercas em madeira. Para mim, menina da cidade, do shopping e do playground, parecia só enfeite nas casas do interior. Deixa estar que cresci e soube de outro uso do negócio que não apenas decorativo. Infelizmente não lembro de quem me contou, mas foi especial saber que as cascas, quando não viram adubo de plantas, servem para aparar a chuva. A água não escorre por dentro da talisca e assim o pau não apodrece. Simples. Sublime. Sábio.

Ps: a foto acima foi feita num restaurante no bairro de Casa Forte. Mas lembro - disso eu lembro - de ver cercas originais pertinho do Recife, na rodovia que perpassa o distrito de Nossa Senhora do Ó (caminho para a praia de Porto de Galinhas), em Ipojuca.

A língua das mariposas

Aos poucos vou desmanchando a proposta inicial desse blog de só falar da vida dos outros. Aqui mesmo quero falar da minha. De um filme que vi nessa semana, chamado A Língua das Mariposas. Entre vários momentos sublimes do título espanhol (La Lengua de Las Mariposas, 2005) dirigido por José Luis Cuerda, um colou mais no meu juízo. Foi exatamente a história que dá nome ao filme. Eu não sabia - ou não lembrava das aulas de ciências - que as mariposas têm a língua em espiral, ou, como ensina o "maestro" Don Gregório ao menino Moncho na mínima sala de aula do vilarejo incrustado na Guerra Civil espanhola, têm a tromba em espiral. É assim porque se enrola e desenrola para alcançar o néctar das flores. E ninguém consegue vê-la. Imagino que seja uma simbologia riquíssima para a psicanálise. Aquela coisa do desejo oculto, de uma situação em segredo, sei lá. O espiral, para mim, parece mesmo é com o pensamento da gente. Ora está para fora, ora está para dentro de um jeito que nem o mais poderoso microscópio do mundo pode captar.

Ps: o menino Moncho também aprende que o tilonorrico, pássaro australiano, enfeita o ninho com orquídea para atrair a fêmea.

quarta-feira, 11 de março de 2009

A casinha de adaptação

Levei um soco num dia desses. Eu saía da Funase (antiga Fundac) do Cabo, a 47 quilômetros do Recife, quando ouvi alguém dizer: "ei, tia, chega aqui". De longe eu só via mãos. A voz vinha de uma casinha rústica nos fundos da unidade sócioeducativa. Era gradeada e a porta tinha no máximo 50 centímetros de largura. Cheguei perto curiosa, deixando para trás a minha pauta, que era reparar na relação das mães e companheiras no processo de ressocialização de adolescentes e jovens. "Eita, ela é emo! A senhora deve gostar de NX Zero e Fresno, né?". Foi assim que começou a minha conversa com Raquele e Karla. Na verdade, dois jovens. Dois meninos. Um de 17 e outro de 18 anos. Assim que me expliquei a eles, falando que não era uma "emo", fui descobrindo parte da história deles. Estavam na Funase porque haviam brigado com um cliente que não pagou um programa. Ambos faziam ponto na calçada de um hotel de Boa Viagem. Estavam na casinha ou na cela isolada porque precisavam de "adaptação". Adaptação, naquele lugar, significa tirar o esmalte das unhas (como aparece na foto), pelar as cabeças, usar shorts e camisas de times de futebol, falar grosso e andar "feito homem". Imaginar a confusão na cabeça desses dois já foi pesado para mim. Existem cerca de outros 300 reeducandos na Funase do Cabo. A maioria segue à risca uma lei, digamos, própria: não frequentar o pátio sem camisa. Pensar no que aconteceria com aqueles dois, quando fora da casinha de adaptação, me deu uma agonia danada. Saí da Funase sem coragem de checar o que aconteceu depois da conversa.

O jumento sabido

Mais sabido do que o jumento dessa foto é o bicho homem que realiza a história de levar literatura boa para o interior de Pernambuco. Dá gosto a idéia de fazer bibliotecas ambulantes no caçuá do burrico que já salvou muita gente da seca. A cidade de Amaraji, na Zona da Mata Sul, vai receber o jumento carregado com 100 obras - inclusive cordéis - neste domingo. Haverá contação de histórias e dramatização de textos ao ar livre. Um jeito lúdico e sabido de aproximar a gente da leitura, né? Tomara que vingue. Tomara que o jumento carregue a literatura boa para mais lugares, mais crianças, jovens e adultos. A Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico de Artístico de Pernambuco), que apóia o projeto junto a prefeituras, batizou a história de Livros Andantes. Eu chamaria também de Jumento Sabido.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Poeta em concreto

Vi o menino examinando a calça da estátua do poeta Joaquim Cardozo, instalada na ponte Maurício de Nassau, no Centro do Recife. Parecia desconfiado. Mexia de um lado para outro. De certa forma, testava a realidade. Será que aprendeu na escola sobre o escritor? Feita em concreto polido, a imagem recostada na sacada reproduz a silhueta do poeta que publicou o primeiro livro somente aos 50 anos de idade e morreu sem ter o reconhecimento do grande público (se é que ele queria isso). A crítica hoje se refere a ele como um dos maiores escritores da língua portuguesa no século XX. Eis um dos poemas feitos por ele. Encontrei no http://www.joaquimcardozo.com/

Poema do amor sem exagero
Eu não te quero aqui por muitos anos
Nem por muitos meses ou semanas,
Nem mesmo desejo que passes no meu leito
As horas extensas de uma noite.
Para que tanto Corpo!
Mas ficaria contente se me desses
Por instantes apenas e bastantes
A nudez longínqua e de pérola
Do teu corpo de nuvem.

Saiu do mangue, virou gabiru


O flagrante foi feito por Patricia Melo, na Rua dos Navegantes, em Boa Viagem. É uma das principais vias do bairro de IPTU altíssimo. Talvez um dos poucos lugares que ainda guardam uma certa poesia nas pedras portuguesas de algumas calçadas e nas amendoeiras. O homem agachado nas fotos, à beira da vala, tentava desentupir o esgoto. Puxava os restos com as mãos, debaixo da chuva. Descia junto com a água a dignidade do cidadão. Deixo que os poetas Manuel Bandeira e Chico Science falem por mim.
Vi ontem um bicho,
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava: engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
não era um gato, não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira, 1940)
Vi um aratu pra lá e pra cá
Vi um caranguejo andando pro sul
Saiu do mangue, virou gabiru
Oh Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem mais urubu ameaça.
(Da lama ao caos, Chico Science, 1996)
Estou enfiado na lama
É um bairro sujo
Onde os urubus têm casas
E eu não tenho asas
Mas estou aqui em minha casa
Onde os urubus têm asas
Vou pintando, segurando as paredes do mangue do meu quintal
Manguetown
Andando por entre os becos
Andando em coletivos
Ninguém foge ao cheiro sujo
Da lama da Manguetown
Andando por entre becos
Andando em coletivos
Ninguém foge à vida suja dos dias da Manguetown.
(Manguetown, Chico Science e Lúcio Maia, 1996)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Nem trocado, nem bolacha


Jean e Janaína eu conheci no Galo da Madrugada, no Recife. Vi os dois em cima da carroça, em frente justamente ao casarão reformado para ser a sede do bloco de carnaval. Era a esquina da Rua da Concórdia com outra via de que não lembro do nome. Pertinho da Praça Sérgio Loreto. Relógio marcando 11h e poucos. A multidão e o calor já eram desafiadores demais para as crianças. Puxei assunto com os dois, que ajudavam o pai a recolher latinhas de bebidas e outros recicláveis no meio da muvuca (a gente "naturaliza" o prejuízo do trabalho infantil no meio da folia, né?). Foi um contato rápido, porque eu tinha que correr na dianteira dos foliões, para esperar o desfile na apoteose, na Avenida Guararapes. Rápido, mas bastante para me chacoalhar. Os meninos não haviam comido no dia. Janaína pintou o próprio rosto feito o palhaço e Jean sorria para mim. O que eu tinha na pochete (trocados e bolachas) não retribuía a alegria deles dois, teimosa com a fome.  

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Contradições (parte I)


Essa cena flagrei a caminho do trabalho. O muro é da Escola Especial Ulisses Pernambucano, no bairro de Santo Amaro, no Recife. Fiz as fotos, mas não esperei para ver se o homem da carroça deixava ou catava o lixo. Eu tinha o ponto para bater no jornal. De qualquer forma, um desrespeito cara-de-pau e violento. Mais parece um aterro sanitário. Um depósito a céu aberto.
Ps1: legislação para o lixo urbano é que não falta. A principal lei municipal do Recife é a 14.903/86, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos atos ofensivos à limpeza urbana e dá outras providências.
Ps2: A Escola Especial Ulisses Pernambucano atende jovens com alguma deficiência mental. O muro pintado pelos alunos é uma marca do lugar.
Ps3: Ulisses Pernambucano (1892 a 1943) foi o autor da primeira monografia brasileira sobre deficiência mental. A tese tem um título, digamos, curioso: Classificação das crianças anormais: a parada do desenvolvimento intelectual e sua formas; a instabilidade e a astenia mental. Foi publicada em 1918.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A música da parada

O violino está para a música clássica assim como o ônibus está para a cidade. Ambos são necessários. O primeiro à arte e o outro, à rotina, ao vaivém da escola, da faculdade, do trabalho. Mas, e quando o instrumento de som requintado - considerado o comandante da orquestra - faz dueto com o motor barulhento do coletivo? E quando a viagem acontece com Carinhoso, Eu sei que vou te amar, Fascinação, frevos, baiões e sinfonias tocadas ao vivo? Essa tem sido a experiência de passageiros na Região Metropolitana do Recife. E os ônibus, único palco do violinista Jessé de Paula, de 24 anos, que se apresenta sonhando em gravar um disco e ter um violino elétrico. A remuneração do artista vem não só em moedas e cédulas miúdas, mas principalmente em respeito.
A história com vídeo e tudo (descoberta pela estudante de Jornalismo Talita Arruda no ônibus Setúbal) está no http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/02/06/urbana10_0.asp
Foto de Juliana Leitão

De olhos bem fechados

Não poderia deixar de comentar um trecho digamos, cara-de-pau, do papo que ouvi no final da tarde desta sexta-feira entre uma colega da redação e o presidente do Recife Convention & Visitors Bureau, José Otávio de Meira Lins - dono do hotel Marolinda, em Boa Viagem. Era sobre a ocupação dos hotéis, os pacotes, o turismo no Recife e em Pernambuco. Como sou metida na conversa dos outros, sugeri à colega que perguntasse ao hoteleiro e executivo sobre turismo e exploração sexual. Reproduzo o diálogo. A cara-de-pau, deixo claro, é toda dele.

- Ana, ele disse que o turismo sexual não existe mais nos hotéis.
- Ah, não? Então o sexo acontece ao ar livre, na praia, no bar, na boate, nos motéis? E os gringos ficam hospedados somente em pousadas e apartamentos de aluguel por temporada? Quer dizer que o sexo, ou melhor, a exploração sexual pode acontecer em qualquer lugar, menos dentro dos quartos do hotéis? Ele fala isso assim, lavando as mãos?
- Hummm, bom, esse é o discurso oficial, Ana.
- Taxistas, donos de bares, boates, hoteleiros, barraqueiros de praia, ninguém é sujeito do mercado e ninguém tem a ver com o turismo e com exploração sexual? É demais essa, viu?

Calote da p...! Vergonha do c...!

Alguém aí já pediu dinheiro emprestado a banco? Quem o fez, sabe que as exigências são muitas. Ainda mais agora, quando o sentimento e a prática do crédito andam meio desconfiados. Pois bem, a empresa que o novo corregedor da Câmara (função de monitor dos colegas da casa), deputado Edmar Moreira (DEM-MG), pegou dindin do Banco do Brasil em 2006 e nunca devolveu um centavo. Mesmo mergulhado em dívidas e à beira da falência, o negócio de vigilância do "nobre" Edmar conseguiu um empréstimo de R$ 1,9 milhão do BB. Dias depois, a empresa doou R$ 72 mil a campanha de reeleição do congressista e filho da "excelência", o deputado estadual Leonardo Moreira (DEM-MG). A empresa é executada judicialmente na 21ª Vara Cível de São Paulo.
Coitado do Banco do Brasil? Tenho nem um pingo de pena. Quem mandou não checar o SPC/Serasa, como faz com o cliente miúdo, feito a gente? Não é só o BB que diz levar calote do novo corregedor da Câmara. Documentos obtidos pela Folha de São Paulo mostram que a F. Moreira é alvo de 123 protestos em cartórios de São Paulo, que cobram um valor total de R$ 551 mil. Além disso, a empresa é alvo de inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o congressista. Ele é acusado de descontar o INSS de empregados e não repassar o dinheiro à Previdência, como a Folha revelou ontem. A dívida cobrada em apenas um processo supera R$ 1 milhão.
Por essa acusação, o corregedor-geral foi denunciado pela Procuradoria ao STF. Caso a denúncia seja aceita pelo ministro Eros Grau, Moreira se transformará em réu em processo por apropriação indébita. Coitado do Congresso Nacional? Tenho nem um pingo de pena. Sinto sim uma vergonha danada. Porque a gente fica muda, esperando os "colegas" se engolirem em lobbies, mensalões, escândalos.

Com informações da Folha de São Paulo.

Ps: a imagem uma foto do castelo que o "nobre" Edmar Moreira tem em Itaipava, Minas Gerais. Está avaliado em R$ 20 milhões.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Quem de nós dois?

Distante em corpo e alma da crise dos "esteites", o ambulante vende guarda-chuva, cortador de unhas, Prestobarba, isqueiro, pilha e outros artigos da China, no Centro do Recife. Um guarda-sol preto protege a mercadoria. Não sei do nome dele. Nunca comprei nada a ele. Fica invisível ao pé da Ponte Maurício de Nassau, onde mantém o ponto há pelo menos 12 anos. Digo há pelo menos 12 anos porque é nesse mesmo tanto de tempo que passo diante dele. Está na paisagem da minha rotina de trabalho. De segunda a sexta-feira, senta num tamborete, à espera do freguês. Tem pouca altura e barriga. Então, uma curiosidade da sexta-feira passada: se ficássemos um de frente para outro, eu e o ambulante, quem contaria mais histórias? Quem fez mais naqueles 12 anos? Quem sentiu a vida atravessar a ponte menos invisível?
Ps: a ponte leva a gente da Rua Marquês de Olinda à Rua Primeiro de Março e ao bairro de Santo Antônio. É primeira de grande porte feita no Brasil e a mais antiga da América Latina. Foi construída entre 1640 e 1643, ano da inauguração.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Da janela eu via

De cima, a chuva.
E da janela eu via
os carros em fila dupla,
andando na contramão.
Quem tinha direito não ia.
Quem errava não percebia
que a vida também é vaivém.
E a todos cobra passagem.

Ps: Cena desta sexta-feira chuvosa. Paisagem à porta de um shopping center do Recife, em dia de promoção.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Balzac e a costureirinha chinesa

Tem coisa melhor do que catar um filme na locadora e ser surpreendido com um título que paga cada centavo? Você vai dizer que sim - e eu hei de concordar. Mas deixa eu pensar que tirei a sorte grande, quando aceitei a dica de uma amiga para alugar Balzac e a costureirinha chinesa. Ela, minha amiga, atirou no que viu - a sinopse na contracapa - e acertou no que não viu - um filme arretado baseado no romance homônimo do chinês Dai Sijie. E antes que alguém diga que estou mais por fora do umbigo de vedete, admito que não sabia da indicação do título ao Globo de Ouro 2003 de melhor filme estrangeiro. Bom, o ambiente do filme é a China do final dos anos 60, quando o líder chinês Mao Tse-Tung lança a Revolução Cultural, que transforma radicalmente a vida do país. Entre outras medidas duras, é banida das bibliotecas e casas chinesas qualquer literatura ocidental. Até livro de culinária representa ameaça. Mas, para toda história de opressão, tem sempre alguém para contrariar a ordem. Nesse caso, são três adolescentes - entre eles a costureirinha da montanha onde jovens são reeducados, digamos assim, pelo Exército Vermelho de Mao. Nas entocas, ela aprende a ler e, de tanto viajar em Balzac, especialmente na história de Ursule Mirouët, se dá outro destino, cria outra possibilidade para a sua vida ordinária. Tudo contado com delicadeza, bom humor e romantismo sobre uma realidade castradora. O final... bem, o final está no livro e no DVD, que peguei na Blockbuster, por R$ 4.

Mais sobre o romance, o autor Dai Sijie (que na vida real foi submetido a essa "reeducação") e o filme: http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/406

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Bloco do eu sozinho

Ainda sem bloco no carnaval? Procure seu João Alves, na Rua São Bento, número 66, Cidade Alta de Olinda. Ele é o presidente da menor agremiação da Cidade Patrimônio da Humanidade. Chama-se João e filho na folia sem violência. Participam ele, a esposa - tapioqueira na porta da residência da família - e os filhos. Brincam religiosamente, desde 2004. A foto foi feita pelo advogado Inácio Feitosa e doada ao blog. Na ocasião, já início deste ano, seu João, que é pintor de profissão, botava o estandarte no sol, para tirar o cheirinho de guardado. Se algum trauma, algum fato desagradável com a família Alves batizou o bloco? Não. Simplesmente foi a vontade de brincar em paz.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Do caderno de Saramago

Donde?
Janeiro 20, 2009
by José Saramago
"Donde saiu este homem? Não peço que me digam onde nasceu, quem foram os seus pais, que estudos fez, que projecto de vida desenhou para si e para a sua família. Tudo isso mais ou menos o sabemos, tenho aí a sua autobiografia, livro sério e sincero, além de inteligentemente escrito. Quando pergunto donde saiu Barack Obama estou a manifestar a minha perplexidade por este tempo que vivemos, cínico, desesperançado, sombrio, terrível em mil dos seus aspectos, ter gerado uma pessoa (é um homem, podia ser uma mulher) que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida. Estes conceitos que alguma vez foram o cimento da melhor convivência humana sofreram por muito tempo o desprezo dos poderosos, esses mesmos que, a partir de hoje (tenham-no por certo), vão vestir à pressa o novo figurino e clamar em todos os tons: “Eu também, eu também.” Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados. No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vinhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar".

Ps: copiei o texto do blog Caderno de Saramago, feito pelo próprio prêmio Nobel. O endereço completo é http://caderno.josesaramago.org/

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Obama no Recife

Eu vi Barack Hussein Obama no Recife. Ele usava (ou usa) terno azul escuro, camisa branca e gravata vermelha, as cores dos "steites", do jeitinho que mandava a etiqueta da posse, ontem à tarde. Estava (está) grafitado no muro do estacionamento do Tribunal de Contas do Estado, na rua Mário Melo, no Centro do Recife. Eu voltava de uma pauta justamente com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, quando dei de cara com o bichinho, de aparência de meio xôxa, cansada e lembrando uma gravura de cordel. Parei, aliás, paramos (eu e a colega Cecília Sá Pereira) para a foto. Pedi licença de uso e guardo nesse blog, para lembrar que, um dia, o menino Obama teve uma vida ordinária também.

God bless you, dear president.

Ps: acho que os créditos do grafite são A.R. Florim e Luther Foxy. Se alguém identificar os artistas, pode me corrigir.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Paulinho da Viola, com carinho




Calçadas são sempre ricas de imagens - das que distraem e das que cegam a gente. Andando novamente pela Avenida Guararapes, no Centro do Recife, no trecho onde ficava o lendário bar Savoy, conheci "seu Fernando", um sebista figura. Puxei papo e ele me contou que tem o ponto há 14 anos. Pedi licença para registrar no meu celular a discoteca do sebo, montado sobre as pedras portuguesas. Pérolas ao preço do freguês. Se você não faz questão de levar Paulinho da Viola já com dedicatória, pode chegar, dizer que é amigo(a) meu e pechinchar.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Subumano é exclusão

Pensamento de mesa de bar... Leio e releio o guia de O Estado de São Paulo da nova ortografia do português. Continuo achando danado tirar o acento agudo de ideia, por exemplo. Dói mesmo fazer isso. Mas um detalhe entre as regras é mais curioso: subumano, que era sub-humano. A nova norma para hífen diz que a gente não deve usar o sinal gráfico "quando o primeiro elemento terminar com vogal e o segundo começar com consoante, exceto o h". Por que subumano tem uma "lei própria", digamos assim? Subumano é exceção na língua e exclusão na vida.

Ps: SUBUMANO Adj. 1. Que está abaixo do nível humano. 2. Desumano, inumano. Fonte: Larousse Dicionário da Língua Portuguesa.

Meu vizinho é um espigão

"Meu vizinho é um espigão", diria a casinha branca, dos tempos de veraneio, espremida entre as torres altíssimas da avenida beiramar, no início do Pina. Quem passar por lá pode reparar no contraste. Dia desses, bati na porta da propriedade branquinha, para saber o motivo da teimosia, digamos assim. Fui catar uma pauta e levei um fora. A senhora que me atendeu não deu qualquer pista do dono da casinha, uma testemunha de décadas de histórias e mudança de paisagem da orla. Mas pedi a foto ao meu colega Ricardo Fernandes. Não desistirei.

Foto: Ricardo Fernandes, 21 de novembro de 2008.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Geografia da calçada

Esse senhor aí, sentado na calçada da Avenida Guararapes, no Centro do Recife, foi a minha inspiração de ontem à tarde. Enquanto eu espera pelo carro do jornal, prestava atenção no movimento, no cotidiano. E fazia um exercício muito comum da literatura (embora eu não tenha a pretensão de ser escritora): imaginar. Viajar nas possibilidades de um desconhecido, anônimo. Qual era o nome, a idade, o estado civil, a memória desse senhor? Por que ele estava tão distraído com um livro de geografia? Sabia ler ou se entretinha com as figuras? Não se incomodava com a sujeira no chão ou o odor de xixi no canto da parede? Decidi fotografá-lo com o celular, para guardar a imagem e, talvez, escrever mais depois.

A poesia do coronel Leandro

Reproduzo aqui alguns dos emails que troquei com o diretor da Funase (antiga Fundac) do município do Cabo, o coronel Severino Leandro. No último domingo, ele e a equipe comemoraram um ano e sete meses sem rebelião na unidade prisional, que tem 366 internos, quando a capacidade é para 132.

On Mon, 12 Jan 2009 12:29:33 +0300, Leandro wrote
Olá, Ana Braga, é com muita satisfação que recebo seu e-mail. É bem possível desenvolver um tema nesse sentido, pois o escritor Dráuzio Varella, em seu livro Estação Carandiru, fala que o ser humano ao perder a liberdade aflora o sentimento de infantilidade. Ao ser privado de liberdade a auto-estima vai a zero e a família . na maioria das vezes, passa a ser o único reduto e a mãe normalmente torna-se lembrada como pessoa mais importante em sua vida. Na minha Unidade eu valorizo sempre, sempre a figura maternal e tenho obtido resultados satisfatórios. Tenho uma citação de minha autoria : "É porque Deus não quis discriminar as mulheres, mas as lágrimas de sofrimento de uma mãe deveriam ser vermelhas. " Quando estamos em apuros é como se o mundo-útero viesse à tona e a mãe passa a se qualificar como o elemento primordial numa possível recuperação do sser. Um grande abraço. Cel Leandro.

From: Ana Braga (DP)
To: Leandro
Subject: RE: de Ana Braga; Diario de Pernambuco
Date: Mon, 12 Jan 2009 12:05:33 -0300
Cel Leandro, mais uma vez tenho a certeza de que conheci um homem decente e sensível ao humano e suas consequências (sem tremas para seguir a nova regra ortográfica, né?). Voltarei a procurá-lo e a assessoria de imprensa, para produzir essa pauta.

Date: Tue, 13 Jan 2009 03:10:27 +0300
From: Leandro
To: Ana Braga(DP)
Subject: RE: de Ana Braga; Diario de Pernambuco
Olá, Ana Braga. Sempre ao seu inteiro dispor para levar à sociedade notícia de que é possível mudar pessoas. Antônio Carlos - escritor mineiro -, em um de seus livros A Pedagogia da Presença deixa bem claro que é preciso ter a linguagem e se aproximar do sentimento de quem perdeu a liberdade para obter resultados. Nesse último domingo tive a satisfação de comemorar um ano e sete meses sem rebelião na minha Unidade. Devo isso à equipe que faz um trabalho com dedicação e longe do emprego da violência. Costumo dizer que a violência é o argumento dos que não tem razão. Um grande abraço, Cel Leandro.

Ps: deixo aqui um link da matéria Quando Respirar é a Única Liberdade, feita na Funase do Cabo. Foi uma experiência, no mínimo, sufocante. http://www.diariodepernambuco.com.br/2008/11/18/urbana6_0.asp

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Que trabalho dignifica o homem?

Essa surgiu de uma conversa com Claudemir, motorista do jornal, enquanto a gente "viajava" pela Avenida Agamenon Magalhães, ao encontro do "Sir Pepper" (personagem para um próximo post). Por ironia, aconteceu quase em frente ao prédio do Ministério do Trabalho e Emprego. Eu que puxei o papo com o colega.

- O cara espera o sinal fechar, para oferecer a pipoca. Mas nesse tempo que a gente parou aqui, uns 30 segundos, ele vendeu uma só. Recebeu R$ 5 para tirar R$ 0,50.

- E sabe quanto ele ganha mesmo, Ana? No máximo, estourando, uns R$ 0,10.

- Tu acha, Claudemir? Então ele tem que vender 50 pacotes para ganhar R$ 5, num dia?

- Isso se ele não trabalhar para outra pessoa, Ana. Esses caras maratonistas que correm no sinal vendendo bombom trabalham para outras pessoas, sabia?

- Imagino que sim. Quem compra a mercadoria, né?

- Oxe, pior é o jornaleiro. Tem sorte aquele que consegue vender dez jornais por dia. Em cada um ele ganha uma comissão de R$ 0,30.

- (pensei comigo mesma, resguardando as devidas proporções: pronto, é jornaleiro e jornalista).

Ps: recorri a uma matéria que fiz em 2006, para reforçar o que eu, Claudemir e todo mundo assiste nas ruas. Foi mais ou menos isso: no período de 1995 a 2005, o desemprego da população de jovens com idade de 15 a 24 anos cresceu mais do que nas demais faixas etárias. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) do IBGE registra que, em 2005, a quantidade de jovens sem emprego era quase 107% superior a de 1995. Para o resto da população, o desemprego foi 90,5% superior nos últimos 10 anos.