Pitú (sic), pipa e revólver 38. Minha primeira praia de 2010 teve isso. Hã? Hein? Como assim? Eram os meus vizinhos de guarda sol. Ou melhor, meus vizinhos de coqueiro, em Boa Viagem. Mais animados que eles só os pombos na areia. Enquanto eu lia O Solista sob o sol-mais-ou-menos-do-dia-dois-do-ano-vintedez, o casal que chegou de bicicleta e sentou ao meu lado para curtir democraticamente a mesma sombra da árvore iniciava uma conversa, digamos, tensa. Nesse dia, confesso, senti medo da minha mania de bisbilhotar os anônimos, os que eu não conheço. Mas eles me deram a deixa: revólver. Foi o que escutei (ainda bem que não vi). De pronto, removi os headphones (usados para me abstrair mais no Solista). Ainda pensei que era o comentário de um filme, do programa de Cardinot, da manchete de um jornal sensacionalista. Mas não. Era da arma dele, do rapaz, que estavam falando. Um revólver calibre 38 que, segundo ele, estava na mala de algum carro. Pensei em me picar dali, mas a curiosidade, como diz a minha mãe, mata um. Corri o risco de testemunhar coisa pior. Nesse momento, não teve Solista nem ipod que me distraísse mais. Enquanto as "lapada" de Pitú (sic) iam goela abaixo neles, eu espiava por trás do coqueiro, a um metro de distância. O rapaz impressionava a moça contando que a arma saiu de "graça". O que quis dizer? Não sei. Talvez que ganhou numa rifa, que trocou por um ventilador, que pagou uma pechincha no troca-troca, que roubou de um policial. Imaginar isso e o que ele faria com o revólver foi suficiente para eu me picar dali. Mas, antes que eu levantasse da cadeira derrubada de nylon, uma reviravolta. A moça aponta para o céu. Era uma pipa. Então o casal, que a essa altura derrubou quase um litro de Pitú, passou a falar de papagaio. Discutiam feito criança se a pipa vendida pelo ambulante era uma cobra ou dragão (diferença que bebum de cachaça não faz, né?). Passei a achar a cena leve. Divertida. Poética. Filosófica até (perdoem a pretensão de antemão). Beliscando a mortadela que ofereceu gentilmente à moça para acompanhar a bebida, o rapaz lembrou que fazia papagaio para vender, quando menino; que queria saber se o ambulante ganhava dinheiro com isso ou fazia "ôia por fora"; que era "ninja demais" nas armações; que tinha o sonho de fazer a "maior pipa do mundo"; que queria saber quem inventou o artefato; que nunca mais tinha visto um voando em Brasília Teimosa (onde ele parecia morar); que sentia "falta da molecagem na rua" e tava "cheio dessa vida de viração". O casal, penso eu, não percebeu a minha indiscrição. Peço desculpa por usar a sua vida privada aqui. Mas é que trocar pipa por revólver tem a ver comigo também. Tem a ver com como a gente tira o céu dos sonhos de muitos meninos.
Ps: fiz a foto por trás do coqueiro. Restava menos da metade da garrafa de Pitú.
7 comentários:
Eles tavam falando do disco dos Beatles...
Antes fosse sobre o memorável disco dos Beatles. Mas ficou claro que era um "três oitão".
Essa cena ganhou de muitas de O Solista, né?! Hehhe
Obrigada por compartilhar virtualmente a cena e a sensibilidade, Paula.
A vida se revelando e olhos atentos para percebê-la. Teu texto é lindo! Sensibilidade para as coisas do mundo...
com esse post morri de rir.Vc tb é meio "alice". Cuidado com essa curiosidade,heim?
Beijo da menina.
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