sábado, 28 de fevereiro de 2009

Nem trocado, nem bolacha


Jean e Janaína eu conheci no Galo da Madrugada, no Recife. Vi os dois em cima da carroça, em frente justamente ao casarão reformado para ser a sede do bloco de carnaval. Era a esquina da Rua da Concórdia com outra via de que não lembro do nome. Pertinho da Praça Sérgio Loreto. Relógio marcando 11h e poucos. A multidão e o calor já eram desafiadores demais para as crianças. Puxei assunto com os dois, que ajudavam o pai a recolher latinhas de bebidas e outros recicláveis no meio da muvuca (a gente "naturaliza" o prejuízo do trabalho infantil no meio da folia, né?). Foi um contato rápido, porque eu tinha que correr na dianteira dos foliões, para esperar o desfile na apoteose, na Avenida Guararapes. Rápido, mas bastante para me chacoalhar. Os meninos não haviam comido no dia. Janaína pintou o próprio rosto feito o palhaço e Jean sorria para mim. O que eu tinha na pochete (trocados e bolachas) não retribuía a alegria deles dois, teimosa com a fome.  

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Contradições (parte I)


Essa cena flagrei a caminho do trabalho. O muro é da Escola Especial Ulisses Pernambucano, no bairro de Santo Amaro, no Recife. Fiz as fotos, mas não esperei para ver se o homem da carroça deixava ou catava o lixo. Eu tinha o ponto para bater no jornal. De qualquer forma, um desrespeito cara-de-pau e violento. Mais parece um aterro sanitário. Um depósito a céu aberto.
Ps1: legislação para o lixo urbano é que não falta. A principal lei municipal do Recife é a 14.903/86, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos atos ofensivos à limpeza urbana e dá outras providências.
Ps2: A Escola Especial Ulisses Pernambucano atende jovens com alguma deficiência mental. O muro pintado pelos alunos é uma marca do lugar.
Ps3: Ulisses Pernambucano (1892 a 1943) foi o autor da primeira monografia brasileira sobre deficiência mental. A tese tem um título, digamos, curioso: Classificação das crianças anormais: a parada do desenvolvimento intelectual e sua formas; a instabilidade e a astenia mental. Foi publicada em 1918.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A música da parada

O violino está para a música clássica assim como o ônibus está para a cidade. Ambos são necessários. O primeiro à arte e o outro, à rotina, ao vaivém da escola, da faculdade, do trabalho. Mas, e quando o instrumento de som requintado - considerado o comandante da orquestra - faz dueto com o motor barulhento do coletivo? E quando a viagem acontece com Carinhoso, Eu sei que vou te amar, Fascinação, frevos, baiões e sinfonias tocadas ao vivo? Essa tem sido a experiência de passageiros na Região Metropolitana do Recife. E os ônibus, único palco do violinista Jessé de Paula, de 24 anos, que se apresenta sonhando em gravar um disco e ter um violino elétrico. A remuneração do artista vem não só em moedas e cédulas miúdas, mas principalmente em respeito.
A história com vídeo e tudo (descoberta pela estudante de Jornalismo Talita Arruda no ônibus Setúbal) está no http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/02/06/urbana10_0.asp
Foto de Juliana Leitão

De olhos bem fechados

Não poderia deixar de comentar um trecho digamos, cara-de-pau, do papo que ouvi no final da tarde desta sexta-feira entre uma colega da redação e o presidente do Recife Convention & Visitors Bureau, José Otávio de Meira Lins - dono do hotel Marolinda, em Boa Viagem. Era sobre a ocupação dos hotéis, os pacotes, o turismo no Recife e em Pernambuco. Como sou metida na conversa dos outros, sugeri à colega que perguntasse ao hoteleiro e executivo sobre turismo e exploração sexual. Reproduzo o diálogo. A cara-de-pau, deixo claro, é toda dele.

- Ana, ele disse que o turismo sexual não existe mais nos hotéis.
- Ah, não? Então o sexo acontece ao ar livre, na praia, no bar, na boate, nos motéis? E os gringos ficam hospedados somente em pousadas e apartamentos de aluguel por temporada? Quer dizer que o sexo, ou melhor, a exploração sexual pode acontecer em qualquer lugar, menos dentro dos quartos do hotéis? Ele fala isso assim, lavando as mãos?
- Hummm, bom, esse é o discurso oficial, Ana.
- Taxistas, donos de bares, boates, hoteleiros, barraqueiros de praia, ninguém é sujeito do mercado e ninguém tem a ver com o turismo e com exploração sexual? É demais essa, viu?

Calote da p...! Vergonha do c...!

Alguém aí já pediu dinheiro emprestado a banco? Quem o fez, sabe que as exigências são muitas. Ainda mais agora, quando o sentimento e a prática do crédito andam meio desconfiados. Pois bem, a empresa que o novo corregedor da Câmara (função de monitor dos colegas da casa), deputado Edmar Moreira (DEM-MG), pegou dindin do Banco do Brasil em 2006 e nunca devolveu um centavo. Mesmo mergulhado em dívidas e à beira da falência, o negócio de vigilância do "nobre" Edmar conseguiu um empréstimo de R$ 1,9 milhão do BB. Dias depois, a empresa doou R$ 72 mil a campanha de reeleição do congressista e filho da "excelência", o deputado estadual Leonardo Moreira (DEM-MG). A empresa é executada judicialmente na 21ª Vara Cível de São Paulo.
Coitado do Banco do Brasil? Tenho nem um pingo de pena. Quem mandou não checar o SPC/Serasa, como faz com o cliente miúdo, feito a gente? Não é só o BB que diz levar calote do novo corregedor da Câmara. Documentos obtidos pela Folha de São Paulo mostram que a F. Moreira é alvo de 123 protestos em cartórios de São Paulo, que cobram um valor total de R$ 551 mil. Além disso, a empresa é alvo de inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o congressista. Ele é acusado de descontar o INSS de empregados e não repassar o dinheiro à Previdência, como a Folha revelou ontem. A dívida cobrada em apenas um processo supera R$ 1 milhão.
Por essa acusação, o corregedor-geral foi denunciado pela Procuradoria ao STF. Caso a denúncia seja aceita pelo ministro Eros Grau, Moreira se transformará em réu em processo por apropriação indébita. Coitado do Congresso Nacional? Tenho nem um pingo de pena. Sinto sim uma vergonha danada. Porque a gente fica muda, esperando os "colegas" se engolirem em lobbies, mensalões, escândalos.

Com informações da Folha de São Paulo.

Ps: a imagem uma foto do castelo que o "nobre" Edmar Moreira tem em Itaipava, Minas Gerais. Está avaliado em R$ 20 milhões.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Quem de nós dois?

Distante em corpo e alma da crise dos "esteites", o ambulante vende guarda-chuva, cortador de unhas, Prestobarba, isqueiro, pilha e outros artigos da China, no Centro do Recife. Um guarda-sol preto protege a mercadoria. Não sei do nome dele. Nunca comprei nada a ele. Fica invisível ao pé da Ponte Maurício de Nassau, onde mantém o ponto há pelo menos 12 anos. Digo há pelo menos 12 anos porque é nesse mesmo tanto de tempo que passo diante dele. Está na paisagem da minha rotina de trabalho. De segunda a sexta-feira, senta num tamborete, à espera do freguês. Tem pouca altura e barriga. Então, uma curiosidade da sexta-feira passada: se ficássemos um de frente para outro, eu e o ambulante, quem contaria mais histórias? Quem fez mais naqueles 12 anos? Quem sentiu a vida atravessar a ponte menos invisível?
Ps: a ponte leva a gente da Rua Marquês de Olinda à Rua Primeiro de Março e ao bairro de Santo Antônio. É primeira de grande porte feita no Brasil e a mais antiga da América Latina. Foi construída entre 1640 e 1643, ano da inauguração.