sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Da janela eu via

De cima, a chuva.
E da janela eu via
os carros em fila dupla,
andando na contramão.
Quem tinha direito não ia.
Quem errava não percebia
que a vida também é vaivém.
E a todos cobra passagem.

Ps: Cena desta sexta-feira chuvosa. Paisagem à porta de um shopping center do Recife, em dia de promoção.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Balzac e a costureirinha chinesa

Tem coisa melhor do que catar um filme na locadora e ser surpreendido com um título que paga cada centavo? Você vai dizer que sim - e eu hei de concordar. Mas deixa eu pensar que tirei a sorte grande, quando aceitei a dica de uma amiga para alugar Balzac e a costureirinha chinesa. Ela, minha amiga, atirou no que viu - a sinopse na contracapa - e acertou no que não viu - um filme arretado baseado no romance homônimo do chinês Dai Sijie. E antes que alguém diga que estou mais por fora do umbigo de vedete, admito que não sabia da indicação do título ao Globo de Ouro 2003 de melhor filme estrangeiro. Bom, o ambiente do filme é a China do final dos anos 60, quando o líder chinês Mao Tse-Tung lança a Revolução Cultural, que transforma radicalmente a vida do país. Entre outras medidas duras, é banida das bibliotecas e casas chinesas qualquer literatura ocidental. Até livro de culinária representa ameaça. Mas, para toda história de opressão, tem sempre alguém para contrariar a ordem. Nesse caso, são três adolescentes - entre eles a costureirinha da montanha onde jovens são reeducados, digamos assim, pelo Exército Vermelho de Mao. Nas entocas, ela aprende a ler e, de tanto viajar em Balzac, especialmente na história de Ursule Mirouët, se dá outro destino, cria outra possibilidade para a sua vida ordinária. Tudo contado com delicadeza, bom humor e romantismo sobre uma realidade castradora. O final... bem, o final está no livro e no DVD, que peguei na Blockbuster, por R$ 4.

Mais sobre o romance, o autor Dai Sijie (que na vida real foi submetido a essa "reeducação") e o filme: http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/406

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Bloco do eu sozinho

Ainda sem bloco no carnaval? Procure seu João Alves, na Rua São Bento, número 66, Cidade Alta de Olinda. Ele é o presidente da menor agremiação da Cidade Patrimônio da Humanidade. Chama-se João e filho na folia sem violência. Participam ele, a esposa - tapioqueira na porta da residência da família - e os filhos. Brincam religiosamente, desde 2004. A foto foi feita pelo advogado Inácio Feitosa e doada ao blog. Na ocasião, já início deste ano, seu João, que é pintor de profissão, botava o estandarte no sol, para tirar o cheirinho de guardado. Se algum trauma, algum fato desagradável com a família Alves batizou o bloco? Não. Simplesmente foi a vontade de brincar em paz.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Do caderno de Saramago

Donde?
Janeiro 20, 2009
by José Saramago
"Donde saiu este homem? Não peço que me digam onde nasceu, quem foram os seus pais, que estudos fez, que projecto de vida desenhou para si e para a sua família. Tudo isso mais ou menos o sabemos, tenho aí a sua autobiografia, livro sério e sincero, além de inteligentemente escrito. Quando pergunto donde saiu Barack Obama estou a manifestar a minha perplexidade por este tempo que vivemos, cínico, desesperançado, sombrio, terrível em mil dos seus aspectos, ter gerado uma pessoa (é um homem, podia ser uma mulher) que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida. Estes conceitos que alguma vez foram o cimento da melhor convivência humana sofreram por muito tempo o desprezo dos poderosos, esses mesmos que, a partir de hoje (tenham-no por certo), vão vestir à pressa o novo figurino e clamar em todos os tons: “Eu também, eu também.” Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados. No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vinhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar".

Ps: copiei o texto do blog Caderno de Saramago, feito pelo próprio prêmio Nobel. O endereço completo é http://caderno.josesaramago.org/

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Obama no Recife

Eu vi Barack Hussein Obama no Recife. Ele usava (ou usa) terno azul escuro, camisa branca e gravata vermelha, as cores dos "steites", do jeitinho que mandava a etiqueta da posse, ontem à tarde. Estava (está) grafitado no muro do estacionamento do Tribunal de Contas do Estado, na rua Mário Melo, no Centro do Recife. Eu voltava de uma pauta justamente com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, quando dei de cara com o bichinho, de aparência de meio xôxa, cansada e lembrando uma gravura de cordel. Parei, aliás, paramos (eu e a colega Cecília Sá Pereira) para a foto. Pedi licença de uso e guardo nesse blog, para lembrar que, um dia, o menino Obama teve uma vida ordinária também.

God bless you, dear president.

Ps: acho que os créditos do grafite são A.R. Florim e Luther Foxy. Se alguém identificar os artistas, pode me corrigir.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Paulinho da Viola, com carinho




Calçadas são sempre ricas de imagens - das que distraem e das que cegam a gente. Andando novamente pela Avenida Guararapes, no Centro do Recife, no trecho onde ficava o lendário bar Savoy, conheci "seu Fernando", um sebista figura. Puxei papo e ele me contou que tem o ponto há 14 anos. Pedi licença para registrar no meu celular a discoteca do sebo, montado sobre as pedras portuguesas. Pérolas ao preço do freguês. Se você não faz questão de levar Paulinho da Viola já com dedicatória, pode chegar, dizer que é amigo(a) meu e pechinchar.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Subumano é exclusão

Pensamento de mesa de bar... Leio e releio o guia de O Estado de São Paulo da nova ortografia do português. Continuo achando danado tirar o acento agudo de ideia, por exemplo. Dói mesmo fazer isso. Mas um detalhe entre as regras é mais curioso: subumano, que era sub-humano. A nova norma para hífen diz que a gente não deve usar o sinal gráfico "quando o primeiro elemento terminar com vogal e o segundo começar com consoante, exceto o h". Por que subumano tem uma "lei própria", digamos assim? Subumano é exceção na língua e exclusão na vida.

Ps: SUBUMANO Adj. 1. Que está abaixo do nível humano. 2. Desumano, inumano. Fonte: Larousse Dicionário da Língua Portuguesa.

Meu vizinho é um espigão

"Meu vizinho é um espigão", diria a casinha branca, dos tempos de veraneio, espremida entre as torres altíssimas da avenida beiramar, no início do Pina. Quem passar por lá pode reparar no contraste. Dia desses, bati na porta da propriedade branquinha, para saber o motivo da teimosia, digamos assim. Fui catar uma pauta e levei um fora. A senhora que me atendeu não deu qualquer pista do dono da casinha, uma testemunha de décadas de histórias e mudança de paisagem da orla. Mas pedi a foto ao meu colega Ricardo Fernandes. Não desistirei.

Foto: Ricardo Fernandes, 21 de novembro de 2008.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Geografia da calçada

Esse senhor aí, sentado na calçada da Avenida Guararapes, no Centro do Recife, foi a minha inspiração de ontem à tarde. Enquanto eu espera pelo carro do jornal, prestava atenção no movimento, no cotidiano. E fazia um exercício muito comum da literatura (embora eu não tenha a pretensão de ser escritora): imaginar. Viajar nas possibilidades de um desconhecido, anônimo. Qual era o nome, a idade, o estado civil, a memória desse senhor? Por que ele estava tão distraído com um livro de geografia? Sabia ler ou se entretinha com as figuras? Não se incomodava com a sujeira no chão ou o odor de xixi no canto da parede? Decidi fotografá-lo com o celular, para guardar a imagem e, talvez, escrever mais depois.

A poesia do coronel Leandro

Reproduzo aqui alguns dos emails que troquei com o diretor da Funase (antiga Fundac) do município do Cabo, o coronel Severino Leandro. No último domingo, ele e a equipe comemoraram um ano e sete meses sem rebelião na unidade prisional, que tem 366 internos, quando a capacidade é para 132.

On Mon, 12 Jan 2009 12:29:33 +0300, Leandro wrote
Olá, Ana Braga, é com muita satisfação que recebo seu e-mail. É bem possível desenvolver um tema nesse sentido, pois o escritor Dráuzio Varella, em seu livro Estação Carandiru, fala que o ser humano ao perder a liberdade aflora o sentimento de infantilidade. Ao ser privado de liberdade a auto-estima vai a zero e a família . na maioria das vezes, passa a ser o único reduto e a mãe normalmente torna-se lembrada como pessoa mais importante em sua vida. Na minha Unidade eu valorizo sempre, sempre a figura maternal e tenho obtido resultados satisfatórios. Tenho uma citação de minha autoria : "É porque Deus não quis discriminar as mulheres, mas as lágrimas de sofrimento de uma mãe deveriam ser vermelhas. " Quando estamos em apuros é como se o mundo-útero viesse à tona e a mãe passa a se qualificar como o elemento primordial numa possível recuperação do sser. Um grande abraço. Cel Leandro.

From: Ana Braga (DP)
To: Leandro
Subject: RE: de Ana Braga; Diario de Pernambuco
Date: Mon, 12 Jan 2009 12:05:33 -0300
Cel Leandro, mais uma vez tenho a certeza de que conheci um homem decente e sensível ao humano e suas consequências (sem tremas para seguir a nova regra ortográfica, né?). Voltarei a procurá-lo e a assessoria de imprensa, para produzir essa pauta.

Date: Tue, 13 Jan 2009 03:10:27 +0300
From: Leandro
To: Ana Braga(DP)
Subject: RE: de Ana Braga; Diario de Pernambuco
Olá, Ana Braga. Sempre ao seu inteiro dispor para levar à sociedade notícia de que é possível mudar pessoas. Antônio Carlos - escritor mineiro -, em um de seus livros A Pedagogia da Presença deixa bem claro que é preciso ter a linguagem e se aproximar do sentimento de quem perdeu a liberdade para obter resultados. Nesse último domingo tive a satisfação de comemorar um ano e sete meses sem rebelião na minha Unidade. Devo isso à equipe que faz um trabalho com dedicação e longe do emprego da violência. Costumo dizer que a violência é o argumento dos que não tem razão. Um grande abraço, Cel Leandro.

Ps: deixo aqui um link da matéria Quando Respirar é a Única Liberdade, feita na Funase do Cabo. Foi uma experiência, no mínimo, sufocante. http://www.diariodepernambuco.com.br/2008/11/18/urbana6_0.asp

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Que trabalho dignifica o homem?

Essa surgiu de uma conversa com Claudemir, motorista do jornal, enquanto a gente "viajava" pela Avenida Agamenon Magalhães, ao encontro do "Sir Pepper" (personagem para um próximo post). Por ironia, aconteceu quase em frente ao prédio do Ministério do Trabalho e Emprego. Eu que puxei o papo com o colega.

- O cara espera o sinal fechar, para oferecer a pipoca. Mas nesse tempo que a gente parou aqui, uns 30 segundos, ele vendeu uma só. Recebeu R$ 5 para tirar R$ 0,50.

- E sabe quanto ele ganha mesmo, Ana? No máximo, estourando, uns R$ 0,10.

- Tu acha, Claudemir? Então ele tem que vender 50 pacotes para ganhar R$ 5, num dia?

- Isso se ele não trabalhar para outra pessoa, Ana. Esses caras maratonistas que correm no sinal vendendo bombom trabalham para outras pessoas, sabia?

- Imagino que sim. Quem compra a mercadoria, né?

- Oxe, pior é o jornaleiro. Tem sorte aquele que consegue vender dez jornais por dia. Em cada um ele ganha uma comissão de R$ 0,30.

- (pensei comigo mesma, resguardando as devidas proporções: pronto, é jornaleiro e jornalista).

Ps: recorri a uma matéria que fiz em 2006, para reforçar o que eu, Claudemir e todo mundo assiste nas ruas. Foi mais ou menos isso: no período de 1995 a 2005, o desemprego da população de jovens com idade de 15 a 24 anos cresceu mais do que nas demais faixas etárias. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) do IBGE registra que, em 2005, a quantidade de jovens sem emprego era quase 107% superior a de 1995. Para o resto da população, o desemprego foi 90,5% superior nos últimos 10 anos.