terça-feira, 23 de março de 2010

Um boa noite como concessão

Reencontrei o homem dos Correios do Recife, personagem da postagem do dia 3 de fevereiro (http://sobrevidasordinarias.blogspot.com/2010_02_01_archive.html). Depois do carnaval, que provavelmente lhe tirou o sossego, voltei a revê-lo regularmente sob a marquise da empresa de serviços postais. Ontem, como de costume, ele tinha uma publicação nas mãos e olhava atentamente nas figuras e letras. Ontem, ao contrário de sempre, nem reparei do que se tratava. Se era encarte de supermercado, jornal tablóide, Diário Oficial. Eu estava concentrada em capturá-lo na câmera do celular. Mas registrar a face do homem, sem que ele soubesse, deu um aperreio. Não porque o protagonista percebera. Foi que eu mesma senti um desconforto. Invadi a privacidade do "homem da rua". A prerrogativa do ser invisível (que todo mundo vê na calçada, mas ninguém enxerga) perdeu a graça para mim.A proposta de vidas ordinárias perdeu o sentido. Como se, ao fazer foto, ao expor aqui, eu furtasse a história de anonimato daquele homem. Anonimato que pode ter sido escolha dele, por que não?. Para diminuir meu desconserto, ofereci um boa noite. Nada demais, né? Eu sei, eu sei. Minha barriga tremeu.Suei.O homem reagiu subitamente. Levantou a cabeça, entretida na publicação, sorriu e acenou com o polegar do "legal", afastando de mim o medo ou arrependimento. Foi a concessão que eu precisava. E cá está a foto.

5 comentários:

Paula Brasileiro disse...

Me fez pensar em quantas vezes invadimos a privacidade desses que morarm na rua. Como se eles não tivessem privacidade por não estarem confinados dentro de um apartamento ou uma casa. Como a gente "enlata" os comportamentos humanos!

Tchaikovsky Lins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tchaikovsky Lins disse...

Uma única palavra dita com respeito e afeição vale muito mais que mil faladas apenas da boca para fora. O seu Boa noite, pode não ter parecido muito, mas para ele, pode ter sido um abraço aconchegante e um ânimo como acompanhamento de sua leitura, quer dizer, não o sou para afirmar, mas é isso que penso.

http://www.larasouzajornalista.blogspot.com/ disse...

Oi, Ana!
Já sinti o mesmo. Quando estava pagando fotojornalismo, e percebi que há limites. Não só do direito de quem sendo fotografado, mas do sentimento que temos por essas pessoas.Opiniões, príncipios e a sensibilidade são coisas que transcedem o lado profissional.
Forte abraço!

Lara Souza disse...

Oi, Ana!
Já sinti o mesmo. Quando estava pagando fotojornalismo, e percebi que há limites. Não só do direito de quem sendo fotografado, mas do sentimento que temos por essas pessoas.Opiniões, príncipios e a sensibilidade são coisas que transcedem o lado profissional.
Forte abraço!