sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Preciosa


Você diz que eu sou
burra e obesa.
Que negra não tem beleza.
Me chama de monstro.

Cara a cara com o espelho, 
sou inteligente,
tenho altura e peso de miss.
Uma super diva do 'showbiz'.
Mas você só me vê monstro.

E você quem é?
Tem coragem de encarar o reflexo da própria alma?


(Desabafo sobre Precious, filme que vi nesta noite).

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Vejo o encontro do poeta Fernando Pessoa com o papangu de Bezerros.

O primeiro veste terno bem cortado. 
O outro, caftan surrado. 

O escritor fuma charuto cubano. 
O brincante, Hollywood vermelho. 

O homem europeu é elegante e delicado. 
O homem do Agreste mexe desajeitado. 

O poeta escreve verso para parecer. 
O mascarado fala grosso para se esconder. 
São dois fingidores. 


Ps: na foto, um papangu fingindo ser poeta. ou vice-versa. Quem adivinha?

Chiclete gasto

No asfalto,
Na calçada,
No piso do estacionamento,
Marcas de chiclete gasto que muita gente cuspiu.
Goma presa para sempre.
Pedaços de histórias que não conheci.

Na boca,
Na saliva,
Nos dentes,
Travas de palavras amargas que não cuspi.
Verbo engolido indefinidamente.
Pedaços de mim que não experimentei.

("croniqueta" da noite que fui comprar iogurte no Carrefour)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O homem da quina dos Correios

Acordei cedo hoje (para mim qualquer hora antes das 8h ainda é madrugada), para dar aula em mais uma turma de jornalismo. Só me imaginava nisso (madrugando) sob tortura, penitência ou castigo. Achei que eu não renderia sequer um "oi, bom dia, meu nome é Ana Braga", mas até que na estreia segurei a barra de ter madrugado, dirigido no piloto automático e enfretado o sol medonho no cocuruto, ao atravessar a Avenida Guararapes (que já vive o alvoroço do Galo da Madrugada). A turma instigou. É buliçosa. Tem vontade de saber ou, por malvadeza, de testar a simpatia da professora àquela hora da manhã. Mas bom mesmo foi enxergar o cotidiano do centro do Recife às claras. Me acostumei com a noite na faculdade. Nesse turno, vejo nas calçadas e pontos de ônibus estudantes exauridos do dia que já foi também de trabalho; ambulantes na ladainha "olha a pipoca, olha a água, olha a pipoca, olha a água" para distrair a fome dos passageiros; crentes em deus e diabo profetizando o fim do mundo em caixas de som; e bêbados sem rumo. No expediente do sol tem tudo isso e mais um pouco de cenas e personagens. Tem ambulantes oferecendo apostilas milagrosas para todo tipo de concurso, coco gelado a R$ 1 (quantas coisas a gente compra com R$ 1, heim?) e office boys em formigueiros. E tem uma figura que fitei três vezes, no mesmo lugar. Sentado numa das quinas do prédio dos Correios (do lado da Rua Siqueira Campos) fica um cidadão com cerca de 30 anos. Está maltratado. Sujo e magro. Protege um pequeno embrulho de pano encardido e só. Ontem às 19h, ele folheava o jornal AquiPE de uma semana atrás. Às 21h, mexia numa edição do Diario Oficial do estado. Hoje de manhã, ele sorria vendo uma revista Cláudia. Se lê mesmo não garanto. Já o escutei sussurrando palavras, que nem sei se estavam no texto. Será que se esforçava para conversar com as letras naquela quina que é sua casa? Será que chamava atenção para ficar menos invisível diante de quem passa? Será que se distrai na própria ausência? Curiosidade mata um, já diz a minha mãe. Mas tá aí mais um bom motivo para eu madrugar. Tentarei puxar papo com ele, para um próximo post.

Ps: seria abuso da minha parte publicar a foto dele?