quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O homem da quina dos Correios

Acordei cedo hoje (para mim qualquer hora antes das 8h ainda é madrugada), para dar aula em mais uma turma de jornalismo. Só me imaginava nisso (madrugando) sob tortura, penitência ou castigo. Achei que eu não renderia sequer um "oi, bom dia, meu nome é Ana Braga", mas até que na estreia segurei a barra de ter madrugado, dirigido no piloto automático e enfretado o sol medonho no cocuruto, ao atravessar a Avenida Guararapes (que já vive o alvoroço do Galo da Madrugada). A turma instigou. É buliçosa. Tem vontade de saber ou, por malvadeza, de testar a simpatia da professora àquela hora da manhã. Mas bom mesmo foi enxergar o cotidiano do centro do Recife às claras. Me acostumei com a noite na faculdade. Nesse turno, vejo nas calçadas e pontos de ônibus estudantes exauridos do dia que já foi também de trabalho; ambulantes na ladainha "olha a pipoca, olha a água, olha a pipoca, olha a água" para distrair a fome dos passageiros; crentes em deus e diabo profetizando o fim do mundo em caixas de som; e bêbados sem rumo. No expediente do sol tem tudo isso e mais um pouco de cenas e personagens. Tem ambulantes oferecendo apostilas milagrosas para todo tipo de concurso, coco gelado a R$ 1 (quantas coisas a gente compra com R$ 1, heim?) e office boys em formigueiros. E tem uma figura que fitei três vezes, no mesmo lugar. Sentado numa das quinas do prédio dos Correios (do lado da Rua Siqueira Campos) fica um cidadão com cerca de 30 anos. Está maltratado. Sujo e magro. Protege um pequeno embrulho de pano encardido e só. Ontem às 19h, ele folheava o jornal AquiPE de uma semana atrás. Às 21h, mexia numa edição do Diario Oficial do estado. Hoje de manhã, ele sorria vendo uma revista Cláudia. Se lê mesmo não garanto. Já o escutei sussurrando palavras, que nem sei se estavam no texto. Será que se esforçava para conversar com as letras naquela quina que é sua casa? Será que chamava atenção para ficar menos invisível diante de quem passa? Será que se distrai na própria ausência? Curiosidade mata um, já diz a minha mãe. Mas tá aí mais um bom motivo para eu madrugar. Tentarei puxar papo com ele, para um próximo post.

Ps: seria abuso da minha parte publicar a foto dele?

5 comentários:

Paula Brasileiro disse...

O Recife e seus personagens deliciosos. Eles que fazem a cidade mais incrível ainda! Puxa papo com ele, ssiiimmm!!!

Anônimo disse...

Se não acabam as linhas, nao teriam limites pra parar de ler. Envolve, suga. Muito bom...





MAria Eugênia Nunes(Geninha)

Anônimo disse...

" Será que se distrai na própria ausência? "
você é uma poeta!
Beijo da menina...

Tchaikovsky Lins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tchaikovsky Lins disse...

Ana, passo todo dia por lá e nunca parei para observar este senhor. E isto acontece com muitos, as pessoas vem e vão com tamanha pressa, que não se apercebem de certas cenas e personagens do cotidiano.

Esplendido o seu post, com uma escrita que parece sair das palavras e caminhar nos sentimentos e momentos da vida.

PS.: Concordo com a Paula, puxa papo com ele, quem sabe quantas experiências ele não guarda, esperando ansioso a primeira pessoa com quem possa compartilha-las.