segunda-feira, 20 de abril de 2009

A força do desejo

Todo mundo sente desejo. Às vezes, de uma coisa só. Às vezes, de várias. A pernambucana Ana Flávia Nunes, de 12 anos, tem dois. Um é voltar curada ao município natal, Salgueiro, no Sertão do estado, de onde saiu há exatamente um ano, para se submeter ao tratamento de um tumor raro no cérebro, na cidade de São Paulo. O outro, conhecer um parque de diversões. O primeiro, acredita a menina, está nas mãos de Deus, dos médicos, da família e dela mesma. Mas não há data para acontecer e Aninha sabe disso. Ela tem determinação e consciência de gente grande. O segundo desejo será realidade breve, breve. A fundação internacional Make a Wish (Faça um Desejo, em inglês) recebeu o pedido da pernambucana e vai realizá-lo assim que ela se recupere das sessões de radioterapia, previstas para terminar no próximo mês.

Foi numa consulta ao oftalmologista, em Juazeiro, na Bahia, que a dura rotina médica de Ana Flávia e família começou. "Minha filha tinha dificuldade na visão. Também tinha uma moleza muito grande. Onde escorava dormia. Também fazia muito xixi porque tinha muita sede e aí bebia muita água. De noite, ela chegava a beber quase três litros de água. E era bebendo e saindo", lembra Ducijane Nunes, de 32 anos, mãe de Ana Flávia. Orientada por uma amiga, Ducijane fez essa primeira viagem, de quase seis horas de carro, já que ainda não tinha conseguido um diagnóstico em Salgueiro. Em Juazeiro, o oftalmologista deu a primeira estocada. "Ele fez todo tipo de exame em Ana Flávia e disse que ela não tinha grau, mas passou exames. Dois dias depois, com a tomografia e ressonância nas mãos, ele falou 'corra, corra, corra, porque essa menina tem um coisa mais séria. Ela tem um tumor na cabeça'", conta. Ana Flávia, à época com 11 anos, ouviu tudo. Era 19 de março de 2008.

Do consultório, Ducijane foi à praça de Juazeiro no mesmo dia. Queria encontrar motivos para acreditar no médico. "Eu fiquei lá perguntando a quem passasse se conhecia o médico. Porque o que era um tumor para mim? Era ter o tumor e morrer. Eu parei umas 15 pessoas na praça e todas só falaram bem do médico", lembra Ducijane. "O médico perguntou aonde eu ia. Eu disse vou embora. Pra onde, ele perguntou. Eu disse Recife, São Paulo, Estados Unidos. Não sei. Então Ana Flávia, que ouvia tudo, falou 'apois eu sei aonde eu quero ir: São Paulo'", relata. Foi voltar à casa em Salgueiro e deixá-la imediatamente. Ana Flávia escolheu São Paulo porque tem parte da família morando na capital paulista. No dia 3 de abril de 2008, mãe e filha desembarcaram em São Paulo para morar na casa de uma tia. Era mais uma viagem ao desconhecido.

Levaram, segundo a mãe, tudo que tinham - a economia feita pelo pai da menina, Manoel Marcondes, caminhoneiro de profissão. As datas, endereços, exames, laudos, lágrimas e boas notícias estão todos na memória de Ducijane. Já no dia em que chegaram, foram a uma das duas consultas com neurocirurgiões, providenciadas pela prima Meire, chamada também de "anjo da guarda". Desse especialista ouviram que a filha tinha um tumor no cérebro e precisaria de uma cirurgia que custaria entre R$ 70 mil e R$ 100 mil. Fora a UTI e a medicação. "Ele falou de um tumor chamado glioma. Quando saí do hospital, vi criancinhas no centro de oncologia e comecei a chorar. Ana Flávia me mostrou o saquinho do exame e disse 'olha aqui a resposta que Deus me deu'", relembra. Estava escrito no envelope: "todo mundo tem uma vida. E toda vida tem uma missão". A missão de Ducijane e Ana Flávia era seguir.

Outro médico falou da mesma cirurgia. Mas ainda não havia o veredicto. A família procurou uma terceira opinião. "Ana Flávia foi consultada no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), em 18 de abril de 2008. A gente já tinha as imagens e faltava a biópsia. Com esse exame feito, a médica do GRAACC afirmou que não era caso de cirurgia e que Ana Flávia tinha um tumor chamado germinoma e não glioma, igualmente agressivo", recorda Ducijane. Poucos dias depois, em 6 de maio, começava o primeiro dos quatro ciclos da quimioterapia. E deagosto a setembro, foram mais 25 sessões de radioterapia. Em dezembro do ano passado, um exame de acompanhamento trouxe outra má notícia: o tumor saiu do cérebro e apareceu na coluna. "A gente estava programada para passar as férias em Salgueiro. Ela ia de avião com Meire e eu de carreta com o meu marido e minha filha Maria Eduarda", relembra.

Veio mais um ciclo de quimioterapia em 18 de dezembro. "Ela estava muito fraquinha. Teve várias convulsões e ficou em coma na UTI. Saiu exatamente em 31 de dezembro. Passamos o revéillon só nós duas. Foi o momento mais difícil", conta Ducijane. Novos exames, segundo a mãe, dão conta que Ana Flávia não tem mais o tumor. "Em janeiro deste ano, a imagem deu toda limpa", fala. Desde o dia 6 deste mês, Ana Flávia cumpre mais uma parte do tratamento. Mais 20 sessões de radioterapia. Não ter mais o tumor não significa que a vida da menina está fora de risco. "As janelinhas ficam abertas por mais cinco anos", enfrenta.

Durante as conversas com a reportagem, o nome câncer foi pronunciado somente uma vez por Ducijane. A teimosia da mãe com a palavra só não é maior do que a força de Ana Flávia no combate à doença. "O que eu posso dizer às pessoas é que elas nunca conheçam o câncer como uma doença sem cura. Que enfrentem ela primeiro. Esse é o meu desejo desde o primeiro dia", persevera Ana Flávia.

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