domingo, 24 de janeiro de 2010

Exército de invisíveis


    A boina, boné ou o capacete azul identifica quem faz parte da Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti, a Minustah. Mas existe no país um exército de invisíveis tão "presente" quanto os que trabalham de azul. É uma tropa de cidadãos haitianos e estrangeiros que não se destacam nas imagens da internet, televisão e jornal, mas cuja ajuda tem importância a olhos vistos. São porta-vozes de comunidades e integrantes de organizações civis, como a ActionAid, ONG internacional que atua há 11 anos no Haiti.
    O escritório da ActionAid foi o único prédio que não desabou totalmente numa das ruas de Mariani, comunidade de Porto Príncipe. Uma equipe de 30 pessoas (sobretudo haitianos e brasileiros) tem feito o trabalho de emergência da organização no Haiti. É a única ONG atuando em Mariani, até agora. "Acabamos de conseguir um armazém, para abrigar e distrubuir o suprimentos. Já entregamos alimentos como manteiga de amendoim reforçada com vitamina, milho, óleo e farinha para2,5 mil pessoas. Estamos aguardando barracas, cobertores, caixas de leite em pó e fraldas, peças íntimas para mulheres e meninas, além de tubos de pasta e escovas de dente", diz Adriano Campolina, diretor regional da ActionAid na América Latina, instalado em Porto Príncipe desde a quarta-feira. "Um carregamento de sabão, enlatados, biscoitos, cordas e redes anti-mosquito também está chegando nos próximos dias", afirma o representante da ONG que existe há 37 anos e atua em 53 países.
    Outra ação emergencial da ActionAid no Haiti tem sido localizar crianças que participam do programa de apadrinhamento da organização. Nessa busca, já foram encontradas as irmãs Wendy, de 12 anos, e Michou, 10 anos (foto acima). As meninas vivem com seus pais, Monique e Sony Destramy, em Mariani. A família está desabrigada e a comida é compartilhada com os vizinhos. A água que bebem vem de um córrego. "Tem sido muito difícil encontrar comida e quando encontramos é tudo muito caro. Não temos dinheiro para nada", conta Monique.
    Os Destramy foram encontrados nas ruínas da casa. Sony trabalhava como vendedor de sacolas plásticas, mas estava afastado do trabalho porque ficou doente. Monique vendia copos de vidro, mas toda a mercadoria foi destruída no terremoto. "Eu estava do lado de fora da casa, descansando, quando tudo começou a tremer. Fiquei muito confuso. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Meus filhos estavam dentro da casa e tudo começou a desabar ao nosso redor. Aconteceu muito rápido. As crianças conseguiram sair sem se ferir, mas perdemos tudo", lembra Sony.
    Wendy e Michou são apadrinhadas por doadores italianos. As duas frequentavam a escola local, mantida pela Cozpam, organização parceira da ActionAid. No distrito de Mariane, 45 crianças são apadrinhadas pela ActionAid. Outras 550 crianças também participam do programa em Philipeau, área menos afetada pela tragédia. Muitas pessoas estão deixando Porto Príncipe e procurando abrigo nas casas de parentes que vivem na zona rural do Haiti. "Nos só esperamos que nossos filhos voltem a estudar e que a gente consiga um lugar para dormir", completou Monique.
    O apadrinhamento de crianças coordenado pela ActionAid funciona através de doações. Com a contribuição mensal de R$ 35, o doador cria um vínculo solidário com uma criança que vive em uma comunidade beneficiada pelo trabalho da organização. receber periodicamente fotos e mensagens desta criança. "O doador acompanha os resultados através de fotos e mensagens da criança", explica a coordenadora executiva da ActionAid Brasil, Rosana Heringer.
    A doação é direcionada a projetos nas áreas de alimentação, educação, saúde e moradia, que beneficiam não só a criança, mas a comunidade. No Haiti, o foco da ONG tem sido sobre agricultura sustentável e prevenção de Aids em mulheres e jovens. "Estamos prevendo que vamos ampliar o trabalho da agricultura, porque as pessoas estão migrando da capital para a zona rural", observa Rosana, que recentemente esteve na Índia, para acompanhar o trabalho de reconstrução de comunidades destruídas pelo terremoto doOceano Índico, ou tsunami, de 2004. "Já se passaram cinco anos e eles ainda têm muito por fazer. Será o mesmo esforço no Haiti", avalia. No Brasil desde 2000, a ActionAid atua em 13 estados (em Pernambuco têm parceria com organizações de cinco comunidades). São 400 mil doadores individuais em todo o mundo, sendo 2,5 mil brasileiros.

Foto de Moisés Saman/ voluntário da ActionAid
Texto publicado no Diario de Pernambuco, em 24 de janeiro de 2010.

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