quarta-feira, 25 de junho de 2008

Amisterdam, o cidadão



Escrito assim, com "i" no meio e "m" no final, Amisterdam não poderia ser mais um. Sai todo dia com Tiêta, a égua esquelética que comprou à prestação. O percurso começa e termina em Peixinhos, na periferia de Olinda, onde os dois moram. Rodam pelo centro e zona norte do Recife. O bicho puxa a corroça, enquanto o homem cata o lixo deixado nas calçadas. Dão expediente no final da tarde e à noite, para aproveitar o inútil do comércio. Do ofício sobrevivem ele, a esposa Joani, os quatro filhos dela, outra menina do casal e, claro, Tiêta. Somente R$ 10 é o que ele ganha por juntar 300 garrafas PET de dois litros, cada. E nem sempre consegue isso numa viagem só. Filho único e sem parentes para esperar ajuda, herdou dos pais a "honestidade", orgulha-se o catador. Amisterdam não sabe por que foi batizado com esse nome - tampouco onde fica a capital holandesa no mapa mundi. Pouco importa. Ele prefere ser chamado de "cidadão" e não de cidade.


Tiêta custou R$ 500, há oito meses. Com o bicho, Amisterdam vai mais longe e leva mais peso. "Tinha coisa que ganhava e não conseguia levar, feito ferro", conta o catador. Mas se a égua morresse hoje - o que não seria surpresa diante do porte - ele teria prejuízo. O catador ainda não tirou o investimento. "Os depósitos pagam muito pouco pelo material". Quando tem dinheiro, ele compra o farelo de Tiêta. Se não, pega o capim do mangue perto de onde mora, para alimentar a égua. "Se ela não comer, eu não trabalho", conta o catador. "Comprei essa égua foi mesmo para pegar frete com a carroça".


Lar - O barraco em madeirite onde Amisterdam mora com seis pessoas ele também comprou à prestação. Mas esse bem já está pago. Foram dois anos para chegar a R$ 1 mil. "Comecei a pagar quando entrei. As vezes eu dava de R$ 5, às vezes de R$ 50. Não tinha dia nem mês certo. E já fiquei sem pagar. Aí eu ia lá, conversava com a mulher (que vendeu a casa) e acertava depois", lembra o catador. O lar é um vão só, não há divisória de sala, cozinha, quarto e banheiro. Mas tem o básico para o cidadão Amisterdam: luz, água e colchão para todo mundo. A coisa fica "boa em casa", diz ele, quando tem "alimento". Se falta comida, o catador espera o lixo acumular, para levar ao depósito que pagar mais.


Quando muito, Amisterdam consegue juntar 10 quilos de garrafa PET, por semana. "No tempo de festa, carnaval, festa do morro (da Conceição) e São João, é quando eu apuro melhor", fala o catador, que nunca teve carteira de trabalho assinada nem quer ter patrão. "Trabalhar não faz vergonha a ninguém. Emprego tá difícil, mas tem pão onde a gente for. Só não quero levar calote de patrão, como eu já levei quando fui ajudante de pedreiro. E se num dia a gente tá empregado numa loja, numa fábrica, no outro tá fora".


O catador de 36 anos, nascido na Encruzilhada, assina o nome próprio completo, Amisterdam Candido da Silva, com os devidos "i" do meio e "m" do final. Só estudou até a quinta série e lê com dificuldade o que vê escrito no papelão que recolhe nas ruas. Somente um menino da família está na escola. O mais importante para Amisterdam talvez ele tenha aprendido com a mãe. "Ela dizia que uma ovelha ruim bota 10 a perder. Graças a deus não dei desgosto nenhum a ela. Hoje, se a senhora me perguntasse se eu queria entrar na vida ilegal ou morrer, eu dizia prefiro morrer. Não tem coisa melhor no mundo do que ser chamado de cidadão".

Foto: Inês Campelo

4 comentários:

Unknown disse...

A leitura me deixou emocionada...quem sabe tenho algo a comentar em um outro momento! Espero ansiosamente pela proxima postagem...
Parabéns AB!

z disse...

Eita, essa eu li no papel!!
Amisterdam, se Amisterdam tivesse aqui, alguem ia ter que arrumar um casaquinho pra Patricia, que aqui ta um frio danado..
Alias, serah que eles estao aparecendo por aih debaixo dessa chuva toda? :/

Bj,
Bel

Tell Aragão disse...

e o que me resta a dizer?
sem palavras...
fica o plágio:
"que país é ésse????"

Anônimo disse...

hehehe!! tive direito a crédito e tudo! o bom e velho Amisterdam...
beijo