domingo, 29 de junho de 2008

Av. Agamenon Magalhães, sem número. Sem nada (parte final)

O intelectual da rampa
As histórias que Erinaldo conta dão a entender que ele é personagem dele mesmo. Dorme e acorda na rampa do hospital, estuda sociologia, filosofia, cita e recita Cecília Meirelles, Vinícius de Moraes, Paulo Freire, Shakespeare e ele mesmo. Também faz poemas. E com a poesia que percebe na vida se convence de que precisa de pouco para ser feliz. "Durmo olhando as estrelas e acordo com os bem-te-vis". Erinaldo é autor de dois livros, obra que vende em cópias de uma xerox qualquer.

Erinaldo, hoje com 49 anos, saiu da terra natal, Guarabira (PB), deixando letrado o único filho. "Marcos Vinícius hoje é o diplomata da família. Abandonei meu filho quando ele tinha 11 anos, mas já sabia ler e escrever. Não volto lá porque ainda é muito atrasado", justifica Erinaldo, como o sociólogo que se diz ser. O curso de graduação, segundo ele, foi feito numa universidade de Campina Grande, lá pelos anos 70 ou 80. Ele nem sabe ao certo.

A mesma Guarabira, porém, é uma de suas inspirações: a infância na rua, jogando bola, botão, passando anel nas mãos das meninas e a leitura na escola. E cita mais um: "Ai que saudade que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais", de Cassimiro de Abreu. "Meu pai, seu Francisco, operário confesso, era um socialista. Minha mãe, dona-de-casa, vive até hoje sentadinha na cadeira de balanço, esperando notícias do filho e dos netos".

Na sacola de ráfia, protegida como se a própria vida fosse, Erinaldo leva livros, que pega emprestado, compra no sebo ou faz "rolo" com os que já tem. O título de cabeceira (sic) é Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. O da vez é o Nós Dizemos Não, de Eduardo Galeano, sobre a América Latina, miséria e resignação. "Sou um sociólogo que saí da teoria para a prática. Vivo para fazer uma sociedade mais humana. Não sei que nome você dá a isso, se é socialismo ou que, mas é o que eu sonho". O senhor não tem medo das pessoas lhe tirarem isso? Ele responde com Mário Quintana: "Eles passarão. E eu, passarinho".
Textos publicados no Diario de Pernambuco, em 18 de maio de 2007
Fotos de Inês Campelo

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