domingo, 29 de junho de 2008

Av. Agamenon Magalhães, sem número. Sem nada (segunda parte)


Um amor a céu aberto
Um dia sim, outro não, Gilberto Souza, de 53 anos, encontra com a namorada Fátima Lobo, 43, no Hospital da Restauração. A sala de estar é a rampa do prédio, onde ele dorme e acorda há dois anos. O cumprimento é rápido e tímido. O casal prefere ficar junto bem ali ao lado, na pracinha do Derby, projeto de Burle Max que já testemunhou muitos amores. O brilho nos olhos dos dois aparece de pronto. É a expressão de uma relação que começou na rua e perdura há 10 anos. A visita só não não acontece todo dia porque Gilberto não deixa Fátima andar de ônibus com freqüência. "Ela tá fraquinha. Tenho medo que ela precise de socorro no caminho. Aí, quem vai ajudar?".

Gilberto não gosta de dar ouvidos aos companheiros de rua e do hospital. "Todo mundo diz que é para eu largar ela (Fátima), mas para mim seria uma coisa muito dura. Até uma freira já me disse para eu me separar dela. Mas eu sinto vontade de cuidar dela para a vida toda". E o que é isso, seu Gilberto, se não amor? Ele mora no HR e Fátima, de favor, com uma ex-empregada dela. O namoro na pracinha dura menos do que uma hora e Gilberto coloca Fátima de volta no ônibus para casa. Viagem mais longa os dois planejam para Belém, no Pará, onde ela tem família. "Vou com ela porque essa pode ser a última missão que Deus colocou para mim, né?".

Pai e mãe Gilberto não conheceu. Essa é uma das poucas certezas que tem. Foi adotado por uma família que diz não existir mais. Se não fosse Fátima, seria ainda mais só, porque quer solidão maior do que nem lembrar da infância? A mochila a tiracolo tem algumas mudas de roupa. Experimentou as ofertas fáceis da rua, como álcool e drogas. O último emprego foi num sítio. Não aprendeu uma profissão, como diz. O trabalho era puxar carroça com papelão e resto de lixo dos outros. Além da viagem com Fátima, Gilberto quer "negociar pipoca e bala, feito o pessoal daí da frente faz. Não culpo ninguém do que eu tenho. Sofro muito, mas eu quero me levantar".


(continua na postagem abaixo)

Um comentário:

Tell Aragão disse...

e o amor ainda é o maior bem e a maior dádiva que se pode ter... mas, me parece que só poucos conseguem...