quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A infância roubada do Haiti


    Apenas uma semana e 300 pedidos de adoção de crianças haitianas. É o que registra a Embaixada do Haiti em Brasília. A tragédia do terremoto sobre o já maltratado país caribenho está fazendo brasileiros olharem para o que ele tem de mais frágil: sua infância. A Justiça de Pernambuco e organizações civis internacionais com representações no Haiti e no Recife vêm discutindo a questão. O cenário de emergência, a falta de estrutura de estado haitiano (todos os cartórios da capital estão em ruínas), o desconhecimento sobre a legislação estrangeira e a possibilidade de gerar traumas ainda maiores são obstáculos a esse delicado processo. Antes do terremoto, havia 380 mil órfãos no Haiti.
    A porta-voz do Unicef, Veronique Taveau, declarou ontem que considera a adoção o último recurso de ajuda estrangeira ao Haiti. "Nossa política é tentar a todo custo encontrar parentes da criança. A adoção é quando todas as possibilidades fracassarem", diz Veronique. Os esforços são feitos para reunir as crianças com suas famílias. Só se isso for impossível, alternativas permanentes, como a adoção, devem ser consideradas pelas autoridades competentes. "Por enquanto, encontramos esses órfãos, identificamos e registramos, e depois privilegiamos a reunificação com a família, mesmo que seja com tio, primo ou avô", ressalta a porta-voz. Não há número exato de quantas crianças ficaram órfãs após o terremoto. "Mas se as estimativas dizem que cerca de 2 milhões de pessoas foram afetadas, e as crianças são a metade da população, é fácil calcular", observa Veronique. Ela reage às informações sobre que, em alguns casos, estão sendo acelerados os trâmites para adoções internacionais.
    A coordenadora no Recife da organização Save The Children, Fernanda Ferreira, compartilha a ideia da adoção por estrangeiro como último esforço de ajuda. Responsável no Brasil por dar treinamentos sobre situações de emergência (terremoto, deslizamento, enchentes, conflito armado), Fernanda destaca que a reunificação familiar deve ser prioridade para os órfãos haitianos. "Parentes adultos também vivem o trauma e são referência. Uma criança adotada em um país estrangeiro poderá perder essa identidade afetiva, o que gera mais trauma", avalia. Parceira do Unicef, a Save The Children tem escritório e equipe de emergência em Porto Príncipe. Até terça-feira que vem, a organização realiza em Olinda um seminário internacional com profissionais que atuam em situações de emergência.
    O secretário executivo da Comisão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), o juiz Humberto Vasconcelos, reconhece que a situação do Haiti sensibiliza brasileiros, mas sugere que interessados em adotar crianças olhem para a própria realidade. "O que vemos no Haiti desperta em nós um potencial de doação muito grande. Vamos aproveitar esse espírito e adotar ou mesmo apadrinhar crianças brasileiras. Temos cenários de extrema carência bem semelhantes ao do Haiti", alerta Vasconcelos. "Mas se alguém tiver interesse absoluto em uma criança haitiana, pode procurar a Ceja", orienta.No Recife, 380 crianças estão em abrigos à espera de novos pais.
    Quem tem interesse sobre uma criança de país signatário da Convenção de Haia (que não é o caso do Haiti), precisa, primeiro, de uma habilitação internacional para adoção. Para isso, uma vara de infância pode oferecer informações. Se for habilitado, o interessado deve procurar, então, o órgão responsável no país natal da criança. A Convenção de Haia regulamenta a adoção internacional. Quem pretende adotar uma criança haitiana precisa solicitá-la através da embaixada, que faz intermediação com as autoridades do Haiti. "O estado haitiano está sem condições de legalizar adoções. E quando a criança é de um país que não participa de Haia, o simples acolhimento dela no estrangeiro pode ser caracterizado como sequestro internacional de incapaz", explica o professor da Unicap e doutor em Ciência Política, Thales Castro.
   Os brasileiros que procuraram a embaixada em Brasília foram orientados a mandar e-mails com dados pessoais. "A adoção internacional não deve ocorrer em situações de guerras, calamidades e desastres naturais, por não ser possível verificar o histórico pessoal e familiar da criança que se pretende colocar em adoção", diz, em nota, a subsecretária para Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Presidência da República e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Carmen Oliveira. 



Texto publicado no Diario de Pernambuco, em 20 de janeiro de 2010.

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